Cada madeirense deve 30 mil euros, o dobro da média nacional

Por Tolentino de Nóbrega
A dívida da Madeira duplicou em cinco anos, atingindo 8000 milhões. A situação "é insustentável" e impõe um rigoroso programa de resgate

Cada residente na Madeira deve 30.480 euros, treze vezes mais do que há 20 anos, não incluindo a fatia que lhe cabe da dívida pública nacional repartida por toda a população portuguesa. Com 262.456 habitantes apurados nos Censos 2011, a Região Autónoma da Madeira (RAM) tem uma dívida global estimada em 8000 milhões de euros. No final de Julho, a dívida directa do Estado atingiu os 172.393,2 milhões, que repartidos pelos 10.714.142 portugueses dá 16.090 euros a cada.

Tendo por comparação a dívida da outra região autónoma nacional, a dos Açores, constata-se que o seu valor per capita é 39,8% da madeirense e inferior à média nacional. Cada um dos 246.102 habitantes dos Açores deve 12.149 euros, isto se considerarmos a estimativa mais pessimista de 2990 milhões para a dívida global (475 milhões de euros de dívida directa, 375 milhões da indirecta, 1,7 mil milhões de euros pelo passivo do sector público empresarial e 440 milhões de responsabilidades financeiras em Parcerias Público-Privadas). O PSD local aponta para uma dívida de 2,6 mil milhões, considerando optimista a garantia dada pelo Governo regional de que o total da dívida directa e indirecta, incluindo a das empresas municipais, era de 1,3 mil milhões.

A dívida por habitante madeirense é também muito superior à de cada residente nas comunidades autónomas de Espanha, apesar de estas apenas arrecadarem até 50% dos impostos gerados nos respectivos territórios e participarem nas despesas de soberania, ao contrário das duas regiões autónomas de Portugal, que cobram como receita própria a totalidade dos impostos (680 milhões por ano, que representam 58% das receitas totais), deixando para o Estado as despesas com a Justiça, Defesa e Segurança Social, além de transferências anuais superiores a 200 milhões para cada arquipélago a título de custos de insularidade e do Fundo de Coesão. Segundo dados do Banco de Espanha, a dívida por residente varia entre 1373 euros na comunidade autónoma de Múrcia e 5268 na Catalunha, ficando nas ilhas Canárias por 1666, sendo de 12.665 euros a dívida pública de Espanha per capita.

Acossado pela oposição que o responsabiliza pelas consequências da dívida "colossal", que se tornou o tema central da pré-campanha depois de a troika ter detectado um buraco de 500 milhões nas contas públicas madeirenses - um "deslize", como dizem os que não querem ferir a "susceptibilidade" de Jardim -, o governante insular recusa revelar o montante da dívida. "Só falo disso a 10 de Outubro. Ponto final".

A dívida, tem justificado Jardim, foi para "resistir" contra a esquerda, a maçonaria, a Internacional Socialista e sobretudo, contra os "problemas criados pelo anterior Governo de Lisboa a partir de 2006". Garante ainda que "toda aquela fúria contra a Madeira é porque o auxílio financeiro vai também ser estendido" à região, cuja dívida, diz, "não é nada comparada com a pouca-vergonha do Continente", pois "enquanto as nossas estão à vista, as deles comeram, beberam e foram-se pelo cano de esgoto abaixo". "Acabou-se o tempo de agachar-se perante Lisboa", avisou.

Buraco espoleta auditoria

Mas o "buraco" de 500 milhões, detectado pelo Eurostat, poderá ser a "caixa de Pandora" que vai colocar a nu toda a política de desorçamentação que levou Jardim a criar quatro sociedades de desenvolvimento, substitutas da região e dos municípios na contratação de empréstimos, a gerir como empresa o Serviço Regional de Saúde e a recorrer a parcerias público-privadas que encheram a ilha de rotundas, túneis e rodovias.

Hoje, as sociedades estão falidas, o sector da saúde deve 750 milhões, muito acima dos "desvio" de 277 milhões no SESARAM (Saúde EP) e as PPP rodoviárias envolvem encargos superiores a 3000 milhões, muito acima do "deslize" de 223 milhões na ViaMadeira, extinta por falta de crédito bancário. Tudo isto comprometendo os orçamentos regionais nos próximos 30 anos, em infracção aos tectos da dívida e défice públicos, além de enormes implicações na sustentabilidade a prazo das contas do Estado, como tem alertado o Tribunal de Contas (TC).

Indiferentes ao reincidente apelo de Jardim à mobilização geral contra o "inimigo externo", estratégia que tem rendido votos ao PSD, as restantes forças concorrentes às eleições exigem saber tudo sobre a situação financeira da região antes de 9 de Outubro. Uma auditoria, reclamada desde 1996 pelo PS regional e até admitida por Marques Mendes, foi entretanto confirmada pelo ministro das Finanças, ao declarar que a situação financeira da região é "insustentável" e ao revelar o pedido de resgate que Jardim se viu forçado a pedir.

"Precisamos de saber, tintim por tintim, quais os sacrifícios que o plano de austeridade negociado entre o Governo regional do PSD e o Governo da República" vai exigir aos madeirenses, para que estes "não votem as escuras", defendeu o socialista Maximiano Martins. Se tal não acontecer, incorre numa "situação de batota eleitoral", advertiu Maximiano Martins, que considera o pedido de ajuda feito por Jardim "o reconhecimento do seu fracasso e da incapacidade de resolver o problema que criou".

Mas enquanto Jardim garante que "a dívida não chega ao valor de um orçamento anual [1500 milhões] e corresponde a três por cento dos meios financeiros que ao longo destes 33 anos dispusemos", os socialistas têm-na estimado em oito mil milhões. Mas esse montante avançado por Carlos Pereira, apresentado como responsável pela Economia e Inovação num hipotético governo do PS, poderá ser ultrapassado, atendendo a que há ainda responsabilidades financeiras por clarificar, embora muitas tenham sido já apuradas pelo TC em relatórios de auditorias e sucessivos pareceres à Conta da Região.

Num estudo sobre a sustentabilidade das contas públicas portuguesas, o BPI calculou em 4,7 mil milhões a dívida directa e indirecta da Madeira em 2009, incluindo as responsabilidades com concessões rodoviárias, ou seja, quase 100% do seu PIB. Concluiu ainda que a dívida madeirense representava 7% dos compromissos adicionais do Estado estimados nesse ano, embora a população madeirense corresponda a 2,5% da de todo o país.

Passados dois anos, o total das responsabilidades financeiras da região, incluindo sector público empresarial, encargos assumidos não pagos e outras dívidas a fornecedores, está estimado em 8000 milhões, cerca de 160% do seu PIB (5133,8 milhões em 2009, inflacionado em 21% pelos negócios da Zona Franca). O Governo regional nega que aquele seja o montante da dívida global, mas escusou-se a divulgar o seu valor. "A dívida está conhecida e inventariada na totalidade", garante o secretário das Finanças, Ventura Garcês, que promete revelá-la ao novo Parlamento, só depois das eleições, em Dezembro.
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Três novos empréstimos contraídos num ano
Jardim duplicou a dívida
após perdão de António Guterres
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A dívida da Madeira duplicou num ano, com a contracção de três novos empréstimos, depois do executivo de António Guterres, com Sousa Franco nas Finanças, ter assumido passivos num total de 630 milhões, entre 1998 e 2002. Nas duas últimas décadas, a Madeira tem acumulado dívidas que aumentaram sempre que o Governo negoceia medidas de saneamento. Aconteceu depois do Governo de António Guterres, "o tonto" no dizer de Jardim, assumir 110 milhões de contos (550 milhões de euros) antes da entrada em vigor da primeira lei que em 1998 veio clarificar o relacionamento financeiro entre o Estado e as regiões autónomas. Depois, em 2001, cobriu também o passivo da saúde das duas regiões autónomas, na proporção de 60 milhões de euros para cada; e, em 2002, quando "pagou" 20 milhões pelos votos da Madeira necessários à aprovação do orçamento rectificativo.

O cenário agravou-se quando Durão Barroso, com Ferreira Leite nas Finanças, assumiu 32,4 milhões da dívida madeirense, antes de impor o endividamento zero na Lei Orgânica 2/2002, de estabilidade orçamental. Foi então que, proibido de contrair novos empréstimos, Jardim recorre às sociedades de desenvolvimento, para contornar a lei e contrair novas dívidas. Os investimentos feitos não têm tido retorno e as sociedades, de capitais exclusivamente públicos, estão tecnicamente falidas.

A falta de liquidez, já oficialmente reconhecida, levou Jardim a recorrer a empréstimos de curta duração para pagar salários, a estabelecer parcerias público-privadas e vender património para encaixar receitas. E obrigou-o, para escapar a um maior controlo ao défice exercido pelo ministro Teixeira dos Santos, a ocultar operações de titularização de créditos e a negociar a apresentação tardia de facturas por parte de credores. As dívidas por facturar, admite Maximiano Martins, poderão totalizar mil milhões, montante que a ser confirmado elevaria para mais de 8500 milhões o total das dívidas da Madeira.

A derrapagem financeira acentuou-se na última década, sobretudo após as eleições antecipadas de 2007 que Jardim transformou num plebiscito contra a lei de finanças regionais, o "basta" de José Sócrates ao despesismo do Governo regional que Cavaco Silva, na chefia do Governo, apontou como argumento para combater a regionalização. Num clima de vitimização e chantagem separatista, Jardim conseguiu que Sócrates injectasse na região 256,7 milhões no âmbito do programa "Pagar a Tempo e Horas". Contra a vontade de Passos Coelho (que, afirmando "não ter medo" de perder o apoio de Jardim, disse que o PSD "não pode olhar para a Madeira de forma diferente do olhar que tem para o país"), Jardim contou com a oposição (do CDS ao PCP) ao PS, entretanto sem maioria absoluta, para a revisão mais favorável do diploma, que vigoraria escassos dias.

O temporal de Fevereiro de 2010 cobriu a Madeira de uma onda de solidariedade que Sócrates materializou na lei de meios. Tem sido a bóia de salvação para empresas que desesperam pelo crédito, com algumas verbas a serem "canalizadas" para pagar despesas de funcionamento, incluindo encargos à PPP Vialitoral e festas do Natal e Carnaval, como confirmou uma auditoria do TC de 2010. T.deN.

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