Acção popular contra Quinta do Lorde põe em causa arquivamento pelo MP




Tolentino de nòbrega - 18.07.2009 PÚBLICO

Procurador garante que empreendimento de luxo, em construção em área da Rede Natura 2000, foi licenciado com pareceres favoráveis. Uma acção popular especial a pedir a impugnação do licenciamento do resort Quinta do Lorde, ontem intentada junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal (TAFF), põe em causa o despacho de arquivamento do processo suscitado por queixas da Quercus e do Partido da Nova Democracia contra a construção deste empreendimento turístico de luxo em área da Rede Natura 2000 daquele arquipélago. O novo procurador da República junto daquele tribunal, João Luís Gonçalves, arquivou os autos abertos há um ano pelo seu antecessor, por não ter verificado "nulidades, nem existirem, na presente data, nulidades susceptíveis de ser posta qualquer acção administrativa contra o Município de Machico, Governo regional ou qualquer outra entidade administrativa" relacionada com o licenciamento do empreendimento. O magistrado concluiu que o resort Quinta do Lorde "foi aprovado pela Câmara de Machico e Governo Regional, com pareceres favoráveis de todos os organismos com competência em matérias de licenciamento e de aprovação de empreendimentos turísticos ao abrigo do Plano de Ordenamento Turístico". Quando se "preparava para proferir despacho final", como reconhece em oficio enviado à câmara de Machico, o anterior procurador, entretanto transferido para o continente, verificou em Fevereiro passado que não fora emitida pelo Parque Natural da Madeira a autorização prévia imprescindível para a aprovação do projecto e o licenciamento das obras, documento que entretanto foi substituído por um inócuo parecer. O despacho de arquivamento diz que o empreendimento em causa "está inserido na zona de reserva parcial do Parque Natural da Madeira", reconhecendo que a sua "construção carecia de aprovação do PNM, o que aconteceu". Adianta que "houve procedimento de Avaliação de Impacte Ambiental (AIA), tendo sido emitida declaração favorável, com as medidas de mitigação". Projecto diferente No entanto, como denunciam os promotores da acção que pede a impugnação dos actos de licenciamento de obras e construção, o projecto "subordinado à avaliação de incidências ambientais é diferente daquele que veio a ser licenciado", pelo que o estudo de impacte ambiental "não pode ser considerado válido e adequado". Entre as diversas ilegalidades apontadas ao licenciamento, a acção popular que tem o ambientalista Gil Canha como primeiro subscritor e Baltazar Aguiar por advogado, alega que o empreendimento não respeita os planos especiais de ordenamento do território aplicáveis a áreas protegidas como é o caso da Ponta de São Lourenço, onde está ser construído o resort sem o exigido parecer prévio favorável do Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade. De facto, como reconhece o AIA, a zona da Quinta do Lorde "integra também a Rede Natura 2000, sendo uma zona de protecção especial com acesso limitado, caracterizada pela ocorrência de uma fauna de vertebrados rica e diversificada". Violação do POT Para requerer a impugnação dos actos administrativos, a acção popular invoca também violação do Plano de Ordenamento Turístico (POT), que para efeito de licenciamento de empreendimentos turísticos, tem prioridade sobre o Plano Director Municipal (PDM) de Machico. Enquanto o PDM classifica a área como "espaços urbanizáveis a consolidar", o POT, com primazia, define-a como "espaços naturais e área a proteger". Por fim, invoca violação do Plano de Ordenamento do Território da Região Autónoma da Madeira (POTRAM), que, ao inserir a área na Reserva Natura 2000 e no Parque Natural da Madeira (PNM), não deixa dúvidas que aquele espaço se integra no conceito de espaços naturais e de protecção ambiental". Indicada na legenda da planta de ordenamento como "zona natural de usos fortemente condicionados", o local não permite uma área bruta de construção de 60 mil m2, muito acima da descrita no projecto autorizado, e edifícios com quatro a seis andares, o dobro do licenciado. Há precisamente 13 anos, Alberto João Jardim advertiu que a zona da então designada Quinta dos Crúzios - compreendendo uma capela e um prédio urbano numa área de 150 mil metros quadrados, adquirida pelos cónegos regrantes a um lorde inglês, já depois do 25 de Abril, para aí instalarem a sua segunda comunidade em Portugal - estava integrada no Parque Natural da Madeira, portanto, constituindo uma área protegida com construção condicionada (PÚBLICO, 9/3/96). O governante reagia assim à alegada falta de ética nas negociações com a Fundação Social Democrata que foi então ultrapassada na compra da quinta por uma sociedade náutica controlada por Ricardo Sousa e integrando ainda pequenos accionistas, que, posteriormente, cederam as suas posições a este empresário também promotor do edifício Minas Gerais, na Rotunda do Infante, igualmente embargado pelo tribunal por estar a ser construído em violação do PDM do Funchal.

Publicado no Jornal Oficial da Região
Planta desmente procurador

O despacho exarado ontem pelo procurador da República reconhece a Ponta de São Lourenço "como fazendo parte da SIC (Rede Natura 2000), mas apenas a zona norte". "Esta conclusão do procurador não corresponde à realidade", reage Raimundo Quintal, presidente da Associação do Parque Ecológico do Funchal. "A Planta de Síntese e Condicionantes do Plano de Ordenamento e Gestão da Ponta de São Lourenço mostra que o empreendimento Quinta do Lorde está dentro da área deste Sítio de Interesse Comunitário (SIC)", garante o geógrafo, exibindo o documento parcialmente reproduzido pelo PÚBLICO. O magistrado baseou-se na Resolução 1408/2000, publicada no Jornal Oficial da Região. O Anexo II deste diploma exibe um mapa de pequena escala que, devido à má qualidade gráfica, implanta este SIC sobre o oceano e apenas toca na costa norte da Ponta de São Lourenço. Mas as coordenadas referidas na Decisão n,º 2002/11/CE desfazem dúvidas quanto à construção da Quinta do Lorde naquela área protegida.

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