"A praça financeira da Madeira só beneficia um grupo privado"

Entrevista do Deputado Carlos Pereira ao DN Lisboa
Numa altura em que se discute o futuro dos offshores, Carlos J. Pereira, ex-director do Centro Internacional de Negócios da Madeira (CINM), critica o modelo de gestão e de governança da Sociedade de Desenvolvimento que administra a praça regional de falhar o objectivo de interesse público.
Qual tem sido o contributo da praça financeira da Madeira para a economia regional?
A pergunta mais adequada nesta altura é se o Governo Regional do PSD tem aproveitado as potencialidades do Centro Internacional de Negócios da Madeira (CINM) para o desenvolvimento da região em três aspectos verdadeiramente relevantes: em primeiro lugar, na diversificação da economia da Madeira, permitindo ultrapassar as fragilidades de uma monocultura assente no turismo; em segundo lugar, na criação de emprego, compatível com a dimensão das ajudas de Estado, traduzidas em benefícios fiscais da ordem dos 1800 milhões de euros por ano inscritos no Orçamento do Estado; em terceiro, mas não menos importante, no aumento do investimento em inovação proveniente do sector privado através do Investimento Directo Estrangeiro (IDE), apropriado aos desafios de uma estratégia que deveria estar centrada na promoção do crescimento baseada na economia do conhecimento, até pelas características ultraperiféricas da região.
E não foi?
Para que tudo isto tivesse acontecido era indispensável um Governo Regional comprometido de forma séria e rigorosa com o enorme potencial de um instrumento como o CINM. Infelizmente, não é o que se verifica. O que temos é um Governo que se comporta como parceiro adormecido, deixando toda a condução das opções relativas ao IDE a cargo de uma entidade privada, com interesses privados. Ou seja, sem estratégia e sem plano adequado de atracção de IDE qualquer investimento externo é bem-vindo, por isso nunca foi possível consolidar um cluster de desenvolvimento. Ou então é por isso que, apesar das actividades do CINM contribuírem com 21% para o PIB, muita dessa riqueza - a grande parte - está de passagem pela Madeira e contribui para o bem-estar de outros locais e de outros povos que não o madeirense, pelo menos na dimensão que todos gostávamos. É até por isso que o CINM não passa de uma praça dedicada apenas ao planeamento fiscal e não ao desenvolvimento. A própria zona industrial é um fracasso do ponto de vista de projecto, onde predomina a deslocalização industrial e não o IDE.
Menospreza o impacto da praça da Madeira?
Esta é a altura adequada para esclarecer, de uma vez por todas, que deve existir seriedade na discussão sobre o papel do CINM. Nem o CINM é um antro de ilegalidades como alguns querem fazer querer, nem é um poço de virtudes e muito menos uma "vaca sagrada", como outros ousam propagandear. Se me perguntar se defendo a existência de uma praça com as características do CINM na nossa região, a minha resposta é sim, de forma inequívoca. Era bom que não existissem dúvidas sobre esta matéria, o PS-Madeira defenderá a manutenção destas ajudas do Estado para a Madeira. Mas ao questionar-me sobre a dimensão do seu impacto responderei que ficou bastante aquém do que seria desejável. Esse resultado é, sobretudo, consequência de más opções políticas e do pouco envolvimento do PSD e do Governo da Madeira no desenvolvimento regional. Mais grave ainda, o impacto significativo no PIB não é proporcional ao impacto no bem-estar dos madeirenses. Ou seja, o PIB da RAM é manifestamente mais elevado do que o PNB regionalizado por causa do efeito das actividades do CINM. Esta evidência que todos conhecem desde 2002, incluindo Alberto João Jardim e o PSD, levou à perda de 500 milhões de euros de apoios europeus pela saída da RAM da lista das regiões de Objectivo 1. Nesta altura já é possível avaliar o que ganhámos, mas também o que perdemos.
A Sociedade de Desenvolvimento da Madeira, gestora do CINM, deveria acabar ou transformar-se numa agência de captação de investimento?
A SDM é a empresa que há 20 anos explora o CINM e onde a região só tem 25% do capital. Porventura aqui reside um dos busílis da questão: a região deixou que o sector privado definisse as opções de IDE para a Madeira. Na verdade, um grande obstáculo à transformação do CINM num verdadeiro instrumento de desenvolvimento regional é o seu modelo de exploração e governança. Se nada mudar, nada mudará! Quanto à captação de investimento, não entendo uma estratégia desta natureza sem a presença do CINM e, por isso, da SDM (embora com outro modelo de exploração). O pior é que nunca existiu estratégia de captação de IDE na Madeira e o que se verificou foi uma sistemática desresponsabilização do Governo nesta matéria, com o pretexto da existência do CINM e da SDM. Por isso, que fique claro, falhou o objectivo de interesse público de captação de investimento em prol da diversificação da economia, do emprego, dos madeirenses e do seu bem-estar.
Então quem ganhou com a SDM?
A estratégia do parceiro privado da SDM, que detém 75% (leia-se Grupo Pestana), transformou a SDM numa empresa de sucesso, isenta de impostos e que aufere lucros obscenos, do meu ponto de vista. Até 2007 poderia ser ignorada (com esforço!) esta circunstância, mas com a saída da RAM das regiões de coesão e a perda de 500 milhões de euros, ninguém pode ficar indiferente a esta matéria.

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