CASO FREEPORT: URDIDURA SEGUNDO O BASTÓNÁRIO DA ORDEM DOS ADVOGADOS
BASTONÁRIO DOS ADVOGADOS ANTÓNIO MARINHO PINTO
Resta saber se o magistrado do MP titular do processo Freeport, Raul Farias, chegou a ter conhecimento de que a carta não era anónima.
A situação, já de si insólita, adquire contornos algo preocupantes, porquanto a ideia da carta “anónima” parece ter surgido num contexto de encontros e reuniões entre inspectores da PJ, jornalistas e figuras políticas ligadas ao PSD e ao CDS.Assim, em Janeiro de 2005, ainda antes de aberto o inquérito, realizaram-se pelo menos dois encontros na localidade da Aroeira, na residência do administrador da revista Tempo, Armando Jorge Costa Carneiro Neves de atos.Além do anfitrião, participaram também os inspectores da PJ Elias Torrão e Carla Gomes, bem como o jornalista da revista Tempo Vítor Norinha e Miguel Almeida, deputado do PSD e pessoa muito ligada a Pedro Santana Lopes (então primeiro- ministro), tendo sido seu chefe de Gabinete quando este foi presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz.Papel importante nessas reuniões parece ter tido também um indivíduo de nome José Maria Belo Dias, que costumava ir à caça com Elias Torrão, já que terá sido por seu intermédio que este inspector da PJ organizou os encontros com Armando Carneiro, Vítor Norinha e Miguel Almeida.
Todos esses encontros decorreram no âmbito de uma “averiguação preventiva”, ou seja, uma espécie de pré-inquérito não dirigido pelo MP. Esse procedimento está previsto na Lei n.º 36/94, de 29 de Setembro (medidas de combate à corrupção e criminalidade económica e fi nanceira), que admite que a PJ possa desencadear, por iniciativa própria, acções de prevenção relativamente a esse tipo de criminalidade.
Surpreende, no entanto, que a instauração dessa “averiguação preventiva” tenha assentado na carta aparentemente combinada entre Zeferino Boal e a PJ, já que o inspector Elias Torrão desempenhava funções na área da investigação de moeda falsa da PJ, área essa que nada tinha a ver com os crimes denunciados na missiva (corrupção e participação económica em negócio).
DENEGRIR A IMAGEM DE SÓCRATES
ENCONTROS POLÍTICO E JORNALÍSTICOS
Resta saber se o magistrado do MP titular do processo Freeport, Raul Farias, chegou a ter conhecimento de que a carta não era anónima.
A situação, já de si insólita, adquire contornos algo preocupantes, porquanto a ideia da carta “anónima” parece ter surgido num contexto de encontros e reuniões entre inspectores da PJ, jornalistas e figuras políticas ligadas ao PSD e ao CDS.Assim, em Janeiro de 2005, ainda antes de aberto o inquérito, realizaram-se pelo menos dois encontros na localidade da Aroeira, na residência do administrador da revista Tempo, Armando Jorge Costa Carneiro Neves de atos.Além do anfitrião, participaram também os inspectores da PJ Elias Torrão e Carla Gomes, bem como o jornalista da revista Tempo Vítor Norinha e Miguel Almeida, deputado do PSD e pessoa muito ligada a Pedro Santana Lopes (então primeiro- ministro), tendo sido seu chefe de Gabinete quando este foi presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz.Papel importante nessas reuniões parece ter tido também um indivíduo de nome José Maria Belo Dias, que costumava ir à caça com Elias Torrão, já que terá sido por seu intermédio que este inspector da PJ organizou os encontros com Armando Carneiro, Vítor Norinha e Miguel Almeida.
Todos esses encontros decorreram no âmbito de uma “averiguação preventiva”, ou seja, uma espécie de pré-inquérito não dirigido pelo MP. Esse procedimento está previsto na Lei n.º 36/94, de 29 de Setembro (medidas de combate à corrupção e criminalidade económica e fi nanceira), que admite que a PJ possa desencadear, por iniciativa própria, acções de prevenção relativamente a esse tipo de criminalidade.
Surpreende, no entanto, que a instauração dessa “averiguação preventiva” tenha assentado na carta aparentemente combinada entre Zeferino Boal e a PJ, já que o inspector Elias Torrão desempenhava funções na área da investigação de moeda falsa da PJ, área essa que nada tinha a ver com os crimes denunciados na missiva (corrupção e participação económica em negócio).
DENEGRIR A IMAGEM DE SÓCRATES
Outra curiosidade consiste em apurar qual o papel reservado aos jornalistas nessas reuniões, uma vez que, antes delas, eles não publicaram qualquer notícia sobre o caso e, posteriormente, apenas se limi- taram a noticiar as decisões do MP e as diligências efectuadas pela própria PJ. Surpreende igualmente o papel de Mi- guel Almeida, dadas as funções políticas e partidárias que desempenhava na ocasião e, sobretudo, as suas ligações ao então primeiro-ministro, Pedro Santana Lopes, ou seja, o principal adversário político de José Sócrates nas eleições legislativas desse ano. A propósito de Miguel Almeida, a ma- gistrada do MP, Inês Bonina, chegou a ad- mitir no seu despacho que aquele militante social-democrata "tivesse interesse em ver publicada informação que denegrisse a imagem" de José Sócrates. "[…] verifi ca-se que este indivíduo está ligado ao Partido Social Democrata, tendo sido eleito deputado pelo círcu- lo de Coimbra desse partido nas últimas eleições legislativas, sendo confi gurável, em abstracto, que, na qualidade de can- didato a deputado pelo PSD, Luís Miguel Almeida tivesse interesse em ver publicada informação que denegrisse a imagem do candidato principal do Partido Socialista em benefício do seu próprio partido" - escreveu a dada altura a magistrada. Esse "caldo político-jornalístico" fez e faz recair as piores suspeitas sobre a génese daquela investigação, sobretudo por se tratar de um ano de eleições le- gislativas. Essas suspeitas são agravadas
pela circunstância de tal investigação ter praticamente “hibernado” durante quatro anos e só ter ressurgido no início deste ano, precisamente um ano com eleições legislativas, autárquicas e europeias.
Além disso, ao fi m de tanto tempo ainda não se conhecem os factos penalmente relevantes que foram apurados, apesar de já em Fevereiro de 2005 terem sido realizadas dezenas de diligências processuais, desde a tomada de declarações até escutas telefónicas, buscas e apreensões de centenas, se não mesmo milhares, de documentos.
Por tudo isso, os investigadores, mormente a Polícia Judiciária, não saem muito bem desta história, pois não são correctos, do ponto de vista processual, os métodos inicialmente usados na investigação deste caso, principalmente durante a chamada “averiguação preventiva”. Com efeito, perante uma pessoa que diz conhecer factos susceptíveis de constituírem crime, o dever da Polícia é recolheras suas declarações, comunicar imediatamente ao MP para abrir o competente inquérito, averiguar a razão de ciência da pessoa em causa e, se for caso disso, tomar as adequadas medidas para a sua protecção, bem como para preservação dos elementos de prova eventualmente existentes.
pela circunstância de tal investigação ter praticamente “hibernado” durante quatro anos e só ter ressurgido no início deste ano, precisamente um ano com eleições legislativas, autárquicas e europeias.
Além disso, ao fi m de tanto tempo ainda não se conhecem os factos penalmente relevantes que foram apurados, apesar de já em Fevereiro de 2005 terem sido realizadas dezenas de diligências processuais, desde a tomada de declarações até escutas telefónicas, buscas e apreensões de centenas, se não mesmo milhares, de documentos.
Por tudo isso, os investigadores, mormente a Polícia Judiciária, não saem muito bem desta história, pois não são correctos, do ponto de vista processual, os métodos inicialmente usados na investigação deste caso, principalmente durante a chamada “averiguação preventiva”. Com efeito, perante uma pessoa que diz conhecer factos susceptíveis de constituírem crime, o dever da Polícia é recolheras suas declarações, comunicar imediatamente ao MP para abrir o competente inquérito, averiguar a razão de ciência da pessoa em causa e, se for caso disso, tomar as adequadas medidas para a sua protecção, bem como para preservação dos elementos de prova eventualmente existentes.
CULTURA DE IRRESPONSABILIDADE
Aconselhar o recurso a cartas anónimas, reunir com jornalistas (e com opositores políticos do principal visado com as denúncias) são métodos que não são próprios de uma investigação criminal isenta. Em processo penal não há conversas (ou reuniões) informais, mas sim diligências rigorosamente formais, ou seja, reduzidas a auto.
Por outro lado, divulgar a jornalistas a realização de escutas telefónicas e de buscas judiciais, inclusive antes de estas se efectuarem (como já aconteceu também com um antigo director Nacional daPJ), constitui uma prática que só se pode justifi car por interesses estranhos à inves-
tigação criminal. Sublinhe-se, a propósito, que as buscas e apreensões foram ordenadas pelo MP a 7 de Fevereiro de 2005 e efectuadas dois dias depois (dia 9) pela PJ. No entanto, essas diligências foram logo noticiadas pela revista Tempo (edição de 9 de Março) e pelo semanário Independente (edições de 11 e 18 de Março), com base num documento de “planeamento operacional” da PJ intitulado BUSCAS 2. Segundo despacho de Inês Bonina, uma cópia desse documento fora entregue ao jornalista Vítor Norinha pelo inspector Elias Torrão.
Perante tudo isso, uma pergunta se impõe: se em Fevereiro de 2005 já existiam fortes indícios dos crimes de corrupção e de participação económica em negócio; se já então se realizaram todas essas diligências processuais; se o caso foi amplamente noticiado nos órgãos de comunicação social, incluindo a divulgação da identidade de várias pessoas apresentadas como suspei-
tas desses crimes, porque é que, mais de quatro anos depois, o Ministério Público ainda não encerrou o inquérito, acusando quem for de acusar e ilibando quem for de ilibar?
Enquanto não houver uma resposta clara a esta pergunta todas as dúvidas e suspeitas serão legítimas sobre o processo Freeport. Noutros países, como os Estados Unidos, por exemplo, um caso destes teria conduzido, seguramente, a um outro processo (por conspiração), sendo que ambos provavelmente estariam concluídos em menos de quatro anos. Em Portugal, infelizmente, predomina uma cultura de irresponsabilidade que permite que as investigações se arrastem indefi nidamente.
Uma coisa é certa: este tipo de situações não prestigia a justiça e, sobretudo, não dignifi ca o Estado de Direito Democrático nem as suas instituições mais relevantes.
Aconselhar o recurso a cartas anónimas, reunir com jornalistas (e com opositores políticos do principal visado com as denúncias) são métodos que não são próprios de uma investigação criminal isenta. Em processo penal não há conversas (ou reuniões) informais, mas sim diligências rigorosamente formais, ou seja, reduzidas a auto.
Por outro lado, divulgar a jornalistas a realização de escutas telefónicas e de buscas judiciais, inclusive antes de estas se efectuarem (como já aconteceu também com um antigo director Nacional daPJ), constitui uma prática que só se pode justifi car por interesses estranhos à inves-
tigação criminal. Sublinhe-se, a propósito, que as buscas e apreensões foram ordenadas pelo MP a 7 de Fevereiro de 2005 e efectuadas dois dias depois (dia 9) pela PJ. No entanto, essas diligências foram logo noticiadas pela revista Tempo (edição de 9 de Março) e pelo semanário Independente (edições de 11 e 18 de Março), com base num documento de “planeamento operacional” da PJ intitulado BUSCAS 2. Segundo despacho de Inês Bonina, uma cópia desse documento fora entregue ao jornalista Vítor Norinha pelo inspector Elias Torrão.
Perante tudo isso, uma pergunta se impõe: se em Fevereiro de 2005 já existiam fortes indícios dos crimes de corrupção e de participação económica em negócio; se já então se realizaram todas essas diligências processuais; se o caso foi amplamente noticiado nos órgãos de comunicação social, incluindo a divulgação da identidade de várias pessoas apresentadas como suspei-
tas desses crimes, porque é que, mais de quatro anos depois, o Ministério Público ainda não encerrou o inquérito, acusando quem for de acusar e ilibando quem for de ilibar?
Enquanto não houver uma resposta clara a esta pergunta todas as dúvidas e suspeitas serão legítimas sobre o processo Freeport. Noutros países, como os Estados Unidos, por exemplo, um caso destes teria conduzido, seguramente, a um outro processo (por conspiração), sendo que ambos provavelmente estariam concluídos em menos de quatro anos. Em Portugal, infelizmente, predomina uma cultura de irresponsabilidade que permite que as investigações se arrastem indefi nidamente.
Uma coisa é certa: este tipo de situações não prestigia a justiça e, sobretudo, não dignifi ca o Estado de Direito Democrático nem as suas instituições mais relevantes.
BASTONÁRIO DA ORDEM DOS ADVOGADOS - ANTÓNIO MARINHO PINTO
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