Declaração de aceitação de candidatura



Por Vital Moreira

Aceitação da candidatura pelo PS ao Parlamento Europeu (Discurso no Congresso do PS)

1. Permitam-me que comece por saudar os militantes do PS aqui presentes e desejar o maior êxito a este Congresso.Não é difícil adivinhar que para muitos de vós o anúncio do meu nome como candidato ao PE por parte do PS constitui uma surpresa. Deixem-me dizer-vos, porém, com toda a sinceridade, que não é menor a minha própria surpresa. Até ao convite de José Sócrates para aceitar este incumbência e até decidir aceitá-la, o que só ocorreu ontem, depois de forte hesitação pessoal, não me passava pela cabeça estar neste momento a dirigir-vos a palavra nesta qualidade.São duas as razões para essa minha hesitação:– primeiro, tendo eu deixado a vida política há muitos anos (a última vez como deputado ocasional do PS em 1997), considerava-me definitivamente afastado da acção política concreta, assumindo-me explicitamente como uma espécie de "treinador de bancada" (como há tempos disse de mim mesmo), o que, aliás, me permitiu furtar-me a assumir os cargos públicos para cujo exercício fui sendo solicitado.– segundo, considerando-me realizado na minha vida académica e profissional, não encarava a hipótese de deixar essa confortável situação de cidadão privado, em troca de responsabilidades políticas exigentes e incompatíveis com aquelas.O que me levou então a superar essas objecções e a aceitar afinal este encargo?São quatro as razões principais.

1º – Ainda que sem filiação partidária há duas décadas, sou apoiante do PS desde 1991, tendo depois participado nos Estado Gerais de 1994-95, sido candidato independente nas eleições parlamentares de 1995, colaborador das Novas Fronteiras, desde 2004-5.Para todos os efeitos sou uma espécie de socialista "freelancer", sem os encargos da filiação e com as vantagens do descompromisso partidário.Ora, essa prolongada colaboração, umas vezes mais estreita, outras menos, cria solidariedades e também responsabilidades, entre elas a de ter de considerar seriamente os desafios que nos são feitos para compromissos mais exigentes.2º – Mesmo sem filiação e sem actividade partidária ao longo destes anos, nunca abandonei uma regular intervenção no debate público das ideias e das propostas políticas, em prol da renovação e da modernização da esquerda, na tradição do socialismo democrático e da social-democracia europeia.Ora, a participação na defesa de certas ideias e propostas cria deveres cívicos. Confrontados com o desafio para realizar essas ideias e essas propostas na acção política, não é curial colocarmo-nos à margem dessa tarefa, só por considerações de índole pessoal.3º – Tratando-se de uma candidatura a deputado, não podia invocar sequer o meu usual argumento para rejeitar o desempenho de cargos executivos, para os quais nunca senti suficiente motivação.Ao invés, dada a minha história passada de intervenção parlamentar, em duas ocasiões diferentes, da qual guardo globalmente um bom registo pessoal, entendi que não tinha razões bastantes para enjeitar uma nova experiência, num novo fórum, justamente lá onde tem lugar o debate institucional dos projectos e opções políticos a nível da UE.4º – Em quanto lugar, mas não menos importante, tratando-se da eleição do Parlamento europeu, convenci-me que não podia justificadamente recusar a minha contribuição pessoal no debate sobre o desenvolvimento da União Europeia e sobre os grandes desafios com que ela se defronta, temas aos quais tenho dedicado parte da minha reflexão académica e da minha intervenção no debate público entre nós, nomeadamente sobre a malograda Constituição europeia e sobre o Tratado de Lisboa.2. Aqui estou, portanto. Tomada a decisão, assumo o encargo com toda a convicção e o máximo empenho, com a mesma entrega e determinação que sempre pautaram a minha descontínua actuação política. O PS e os seus eleitores podem contar comigo.O meu empenho nesta candidatura é tanto maior, quanto é certo que a UE enfrenta dois grandes desafios nos tempos mais próximos.O primeiro é fazer vingar o Tratado de Lisboa e, se conseguido esse objectivo, como todos desejamos – se possível ainda este ano –, implementar depois a nova ordem "constitucional" da UE que dele decorre, tanto em termos de arquitectura institucional, como em termos de alargamento das atribuições da União, incluindo na esfera da defesa e das relações externas.No que respeita à nova arquitectura institucional, um das grandes avanços do Tratado de Lisboa diz respeito justamente ao papel do Parlamento Europeu, que vê grandemente reforçadas as suas competências, incluindo especialmente no plano político, no que respeita à designação e escrutínio da Comissão, bem como no plano legislativo, passando a ter competência legislativa tendencialmente universal, por meio do procedimento legislativo da "codecisão", em parceria com o Conselho de Ministros.Esse não é dos menores motivos de interesse em participar nesta nova fase da desenvolvimento constitucional da UE, cada vez mais próxima dos cânones de uma verdadeira democracia parlamentar e na exploração desse papel reforçado do Parlamento europeu.O segundo grande desafio presente da UE é obviamente a profunda crise financeira e económica, que abrange hoje praticamente todo o mundo, em especial os países desenvolvidos, designadamente os Estados Unidos (onde ela teve origem), a Europa e o Japão, sem esquecer os países emergentes, com todas as sequelas em matéria de contracção da actividade económica e sobretudo de aumento exponencial do desemprego (nesta altura a atingir dois dígitos em alguns países), com todo o cortejo de insegurança, de perda de rendimentos e de degradação da qualidade de vida para milhões de pessoas.A UE está a ser especialmente testada nesta dura provação. Apesar dos meritórios esforços no ataque à crise e na coordenação das políticas dos Estados-membros – sem os quais ela poderia estar a atingir níveis catastróficos em alguns deles –, tais esforços evidenciaram também as limitações dos actuais mecanismos comunitários. É já hoje evidente que um "mercado único", sem fronteiras nacionais, não pode ser adequadamente regulado e coordenado sem autoridades de regulação a nível da UE, complementando as autoridades reguladoras nacionais no que respeita às empresas transfronteiriças.A crise financeira e económica global não questiona somente o paradigma neoliberal das últimas décadas a nível nacional, contestando a soberania e a auto-regulação dos mercados, a negação de qualquer papel relevante do Estado na economia, a regulação mínima das "falhas de mercado". Não, a crise tornou igualmente evidente que uma integração económica transnacional e um mercado global não podem ser deixados a si mesmos, sem uma regulação transnacional e global também.Por isso, as tarefas com que a UE se confronta são tanto a de instituir os mecanismos de coordenação e regulação do mercado interno a nível da própria União, como também a de contribuir, a nível internacional, para definir uma nova ordem económica e financeira global, que regule os movimentos financeiros, combata os "off-shores" e contribua para a estabilidade e transparência da economia global.Eis uma tarefa acrescida para a próxima legislatura do Parlamento europeu, e para os deputados que a vão integrar.3. Os partidos socialistas e sociais-democratas europeus, hoje congregados no PES, constituíram um dos pilares políticos da construção europeia desde o seu início.Todavia, sendo partidários indefectíveis da integração europeia, os partidos socialistas não podem satisfazer-se com uma qualquer integração. Hão-de ser também partidários de uma União que realize os grandes valores que fazem parte do ADN da esquerda democrática desde sempre, em especial a igualdade e a justiça social, através do aprofundamento do "modelo social europeu".Tal como a nível nacional, o compromisso socialista a nível da UE só pode consistir em lutar por uma orientação de esquerda, incluindo a precedência do poder político democrático sobre o poder económico, o aprofundamento da cidadania, a coesão territorial e social em toda a União, a luta pela igualdade e contra as discriminações de toda a ordem, a protecção das minorias nacionais e regionais, o respeito dos direitos dos imigrantes, incluindo os extracomunitários, uma protecção elevada do ambiente e dos consumidores, a luta pela paz e pela cooperação internacional no quadro da Carta das Nações Unidas, o combate à pobreza que persiste em tantos países, o apoio aos movimentos de defesa dos direitos humanos e às forças democráticas em países sob domínio autoritário, e por último um investimento político forte no resolução justa da questão da Palestina, sem a qual não pode haver segurança no Médio Oriente.Com o Tratado de Lisboa – que aliás fornece novas bases para políticas progressistas –, a orientação política da UE depende agora mais do que antes do Parlamento europeu. Daí a importância da composição e do peso das várias correntes políticas dentro do PE.Por isso, é necessário eleger deputados empenhados não somente na construção europeia, e não deputados hostis à integração, mas também comprometidos com orientações e políticas de esquerda, e não com as ideias da direita neoliberal e conservadora, que a actual crise condenou.Esta crise mostrou que precisamos de mais Europa e de mais esquerda na Europa.4. É este o meu compromisso pessoal no momento de aceitar a indigitação para encabeçar a lista de candidatos do PS ao PE nas eleições de Junho próximo. Peço a vossa confiança e apoio para a lista dos candidatos que vão defender as cores do PS e do socialismo europeu no PE.Sei da responsabilidade que assumo ao aceitar suceder à plêiade de figuras de me antecederam nesta posição nas anteriores eleições europeias desde 1987, a saber Maria de Lurdes Pintasilgo, João Cravinho, António Vitorino, Mário Soares, o malogrado Sousa Franco, e António Costa.Comprometo-me a não desbaratar essa ilustre herança. Podeis estar certos de que não pouparei esforços, junto com os meus companheiros de lista, para não defraudar as vossas esperanças e as vossas expectativas.

Comentários

É bom saber que Portugal e o PS podem contar com Homens desta categoria. Vital Moreira parece ser um peso-pesado em assuntos constitucionais e não só.

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